Porque é que a TSU era uma boa medida?


Quando me garantiram que o ordenado mínimo e outros escalões acima deste estariam a salvo da implementação da TSU, olhei para a medida enquanto estrutural. Li, perguntei, ouvi e retirei dúvidas. Percebi, de facto, como disse Vítor Bento - economista, conselheiro de Estado e o único a defender publicamente a medida (se a memória não me falha) - que a reestruturação da TSU era uma medida de crescimento económico. Hoje li este texto e basicamente explica o que continuo a pensar. Entre o aumento de impostos que agora temos e a TSU, vocês desculpem-me, mas, até do ponto de vista social, seria melhor. Com uma diferença, não havia, como hoje está previsto no OE/2013, sobrecarga maior para o lado das empresas. Agora, aguentemo-nos. Mas leiam o artigo 'linkado', e o mais abaixo, talvez seja mais fácil explicar aquilo que era tão simples. E concordo: a comunicação, seja numa boa ou numa má notícia, faz toda a diferença. Como está mais que provado. Mas isto é só a minha visão depois de me ter informado. Admito que possa estar redondamente enganada. 

Nota Platónica: Explicação da tal 'bruxa' TSU dada pelo economista Pedro Pita Barros e Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa Nada melhor do que ter um técnico a desmembrar a teoria. E sim, repito, era uma medida de crescimento económico, que precisamos de implementar urgentemente, ao mesmo tempo que se trabalha na austeridade. Caso contrário, o cenário é o que todos agora temem: a dramática recessão. 

«Não sei o que a maior parte das pessoas entende por “modelo económico”. Espero que não seja a ideia de que é possível descrever e prever exactamente como toda e cada um dos agentes económicos (pessoas, entidades) age e reage em cada momento. Um modelo económico é sempre uma forma simplificada de tentar perceber a realidade e a partir daí inferir efeitos prováveis de políticas económicas. A vantagem dos modelos económicos é serem uma simplificação da realidade. A sua desvantagem é, bem…, simplificarem a realidade. Vem isto a propósito da TSU, pelos vistos abandonada sem mais pensamento, quando o problema principal estava a residir na forma de financiamento da descida do valor a ser pago pelas empresas. Interessa-me neste momento discutir a medida no que diz respeito ao incentivo ao emprego e desenvolvimento de empresas. Para isso, vou recorrer a um modelo muito simples, e explicitá-lo para que possa ser contestado e refinado. O objectivo é pensar no que sucede a médio prazo, pelo menos. Para esse médio prazo, parto do princípio que a disponibilidade dos trabalhadores para aceitar uma posição de emprego é tanto maior quanto maior for o salário liquido que recebem (aqui salário liquido de impostos e contribuições para a segurança social a cargo do trabalhador). Por seu lado, as empresas contratam menos quanto quanto maior for o pagamento total que tenham de fazer. O seu pagamento é o salário bruto acrescido das contribuições da segurança social a cargo dos trabalhadores.

Se o salário liquido for w, o salário bruto tem que ser w/(1-t-scc_w), em que t é a taxa média de imposto e ssc_w a contribuição para a segurança social a cargo do trabalhador. O pagamento total da empresa é w(1+ssc_e), em que ssc_e é contribuição do empregador. Nesse médio prazo, para o trabalhador receber w, o empregador tem que pagar w (1+ssc_e)/(1-t-ssc_w). Este último factor b=(1+ssc_e)/(1-t-ssc_w) é que traduz a distorção ao mercado de trabalho. Não mexendo na TSU, para uma taxa média de imposto sobre o rendimento de 20%, este factor é de 1,804, enquanto a proposta alternativa de a TSU -reduzir-se para as empresas e aumentar para os trabalhadores- aumenta este factor para 1,903 (se preferirem outras taxas médias de imposto sobre o rendimento, as contas são fáceis de fazer). Se houvesse apenas redução na TSU paga pelas empresas, com a compensação nas contas públicas definida de outra forma (por exemplo, via IVA), este valor desceria. O resultado no médio prazo seria na verdade um mercado de trabalho com mais distorção e menos emprego. No curto prazo, a baixa elasticidade da oferta de trabalho – os trabalhadores não deixam a empresa mesmo que haja uma descida do salário liquido. 
Assim, um dos elementos relevantes da discussão é saber qual a sensibilidade da contratação de novos trabalhadores ao valor da TSU paga pelo empregador e qual a sensibilidade da disposição a trabalhar por parte dos trabalhadores ao salário que recebem. Aliás, uma das respostas a este argumento de uma maior distorção no mercado de trabalho é a de que actualmente não há resposta do lado dos trabalhadores, não é por salário maior ou menor que arriscarão perder o posto de trabalho. Não aprecio especialmente esse argumento por duas razões, mas primeiro há que reconhecer que se as decisões sobre que trabalho aceitar forem independentes do salário liquido recebido pelo trabalhador, então a medida teria como único efeito reduzir salários líquidos dos trabalhadores. 
Mas a prazo tal não será verdade, e esta medida é uma medida que procura ter efeitos de criação de emprego, de uma forma duradoura, por isso os seus efeitos têm que ser pensados a prazo. Os dois motivos pelos quais este contra-argumento é pouco válido são a) se fosse verdade a médio prazo essa insensibilidade, no sentido de os trabalhadores aceitarem sempre qualquer salário, então muitas das outras alterações no mercado de trabalho não fariam sentido, nomeadamente as destinadas a criar um maior incentivo a quem está desempregado procurar sair dessa situação. Não seria necessário porque de acordo com o contra-argumento o salário seria irrelevante para essa decisão; b) mesmo no curto prazo haveria efeitos em algumas empresas, nomeadamente as mais dinâmicas, que tivessem capacidade de o fazer, mas que seriam precisamente aquelas que se a distorção fosse reduzida teriam maior capacidade de criar emprego. Outra resposta a justificar a medida tal como apresentada era a de que aliviaria as actuais restrições de tesouraria das empresas, permitindo-lhes sobreviver melhor e preservar os empregos nesta altura de crise. 
A complicação deste argumento é a de que está a usar uma medida permanente que aumenta as distorções no sentido de dificultar a criação de emprego para resolver um problema de curto prazo. Esta discussão tem como base um modelo económico de comportamento do mercado de trabalho que se baseia em duas premissas – a médio e longo prazo, as decisões dos trabalhadores baseiam-se no salário liquido que recebem, e as decisões das empresas em contratar dependem dos encargos totais que suportam com os trabalhadores. Visão simplificada, mas que tem implicações. Alterações a esta visão simplificada têm que explicitar como é as hipóteses explicitadas se alteram, em que sentido e porquê. Modelos económicos não são a solução dos problemas, são uma ajuda a pensar nos problemas».
Pedro Pita Barros.

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